As Garotas de Alceu Penna

Alceu Penna teve um importante papel na construção da identidade da moda brasileira da forma como a conhecemos hoje. Antes dele começar a ilustrar as colunas na revista O Cruzeiro, as publicações do país não se preocupavam com a representatividade da moda nacional, trazendo apenas o que se via lá fora para suas páginas. No entanto, através de seus desenhos Alceu pode adaptar o modo de vestir das estrangeiras para a realidade do Brasil, começando assim a traçar as primeiras características que viriam a ser identificadas como parte da identidade brasileira.

Considerado um artista gráfico versátil, Alceu Penna atuou em diversas áreas, desde criação de capas para revistas, elaboração de cenários e figurinos para cinema, teatro e TV, até desenhos para o público infantil e fantasias para escolas de samba. Mas seria através da coluna “Garotas”, veiculada durante 28 anos na revista O Cruzeiro, que o ilustrador ganharia visibilidade e reconhecimento.

Publicação da coluna “Garotas” na revista O Cruzeiro, a principal revista ilustrada brasileira da primeira metade do século XX.

Inspiradas pelas Gibson Girls, as Pin-ups do The Saturday Evening Post, as figuras femininas de “Garotas” expressavam a vida moderna no país. A coluna, que trazia mocinhas vestidas com as últimas tendências conversando sobre os assuntos mais variados, ditou modas e costumes, influenciando diretamente o comportamento da geração de homens e mulheres da época. Através de suas garotas, Alceu Penna disseminou novos hábitos para as moças da época, que agora eram mais modernas e urbanas. Além disso, a coluna também refletia ideais ligados ao contexto político-social vivido no Brasil.

Nesse período, ainda não se colocava em questão uma moda nacional, uma vez que a indústria têxtil do país era gerenciada por empresários mais preocupados em garantir sua sobrevivências do que na busca por uma moda com expressão nacional. As elites consumidoras de moda ainda consideravam sinônimo de elegância vestir-se nos moldes da Alta Costura francesa. Assim, as revistas brasileiras se conservavam a apenas apresentar e descrever as novidades da moda internacional.

As garotas de Alceu eram ousadas e destoavam do comportamento conservador da época, incentivando o empoderamento das mulheres.

A partir da década de 30, com a viagem de Alceu Penna para Estados Unidos, seu olhar se afina para as peculiaridades de sua terra natal, e isso reflete em sua coluna. Antes da viagem, a coluna intitulada “Álbum de fantasias de O Cruzeiro” trazia ideias de fantasias inspiradas nos trajes típicos de países estrangeiros. Após seu retorno, as fantasias inspiradas no Carnaval veneziano dividem espaço com elementos de nossa cultura, como o malandro e a baiana. Mas esse movimento não acontece apenas nas fantasias: aos poucos, o ilustrador começa a apresentar uma moda com características nacionais. Em um primeiro momento, adaptada ao clima tropical, e posteriormente à matéria prima têxtil nacional, como o algodão.

Alceu Penna também causa mudanças no comportamento da mulher brasileira. Apesar de O Cruzeiro ser uma revista de variedades voltada para as famílias conservadoras, a coluna “Garotas” não se enquadrava no padrão de comportamento feminino da época. Eram moças de família, que sonhavam com o casamento, mantinham boa aparência e respeitavam os mais velhos, mas às vezes escapavam de certos padrões e brincavam com a imagem do papel da mulher. Elas tomavam a inciativa na conquista, usavam roupas mais curtas e iam a bailes desacompanhadas. As “Garotas” eram confiantes e irresistíveis, e dessa forma contribuíram para a emancipação de alguns comportamentos das moças do período.

Naquele momento, o Rio de Janeiro era visto como centro cultural e modelo de progresso diante do restante do país. Assim, as mocinhas criadas por Alceu Penna eram retratadas em cenários que faziam parte do cotidiano da elite da cidade junto com seus modismos e trejeitos. Como O Cruzeiro era uma revista de alcance nacional, o estilo de vida carioca se espalhou para todo o país, tornando-se objdesejo de todos. A praia era um popular ponto de encontro da juventude da época, e não seria diferente para as  “Garotas”, que eram frequentemente ilustradas no cenário. Com a exposição do corpo ao sol, a pele bronzeada e o corpo esbelto se tornaram o ideal de beleza vigente do período, associado ao Rio de Janeiro.

Referência de estilo, as garotas de Alceu vendiam o lifestyle brasileiro, muito associado ao Rio de Janeiro.

As “Garotas” de Alceu ganharam tanto de destaque que começaram a sair do papel para se tornarem de carne e osso, uma vez que suas atitudes eram copiadas pelas jovens da época. Não só isso: os figurinos criados para suas bonecas também eram levados para as costureiras a fim de serem reproduzidos. As moças desejavam ser uma das tais “Garotas” e os rapazes sonhavam em se casar com uma delas. Em conjunto com sua colaboração para a moda brasileira, o ilustrador abriu espaço para uma nova figura feminina emergir.

Aprofunde a sua pesquisa:

Site: www.alceupenna.com.br

Livro: Alceu Penna e as Garotas do Brasil, por Gonçalo Junior (Editora Manole)

Livro: Vamos, garotas! Alceu Penna, por Gabriela Penna (Editora Annablume)

*Por Gabriela Cabral, em colaboração ao Costanza Who

As Garotas do Alceu

Por Lucia Helena Monteiro Machado

Ah! As garotas do Alceu! Lindas graciosas, sempre sorridentes e sonhadoras. Quais sonhos eram apropriados para as jovens daquela época? Uma época que já se foi e não existe mais.

Estamos falando da década de 50. O Rio, capital do Brasil vivia sua “belle époque” tupiniquim. A vida era risonha e franca. Nada de violência, nem drogas, nem traficantes. Juscelino prometia 50 anos em cinco. O “presidente bossa nova” era chamado de “pé de valsa, pois gostava de dançar e dançava bem. Marta Rocha “quase” levava o título de Miss Universo. E, felizes, iam todos para a praia, como naquele filme famoso, Nunca aos domingos. Nesta não haviam arrastões…

Bem, e as garotas? Quanta graça e quanto charme exibiam as jovens cariocas! Admiradas e copiadas por todas as moças provincianas do país. E quem as traduzia de maneira perfeita? Alceu Penna. No seu traço inconfundível, estampava todo o charme da mulher carioca. E era uma via de mão dupla. Ele as retratava e elas o copiavam. Sem ser um “estilista”, coisa que nem existia na época, ele desenhava roupas, chapéus, fantasias de carnaval, maiôs e penteados que eram copiados por todo o Brasil. Falo de cátedra porque tive vestidos copiados de seus desenhos.

Belo Horizonte, uma cidade ainda acanhada, não tinha lojas de roupas femininas, muito menos butiques. As roupas eram confeccionadas por costureiras ou pelas próprias mães, como era o meu caso. E os modelos de Alceu eram um achado. A primeira loja de roupas prontas de Belô foi A Siberia, e os modelos vendidos eram mais estilo “senhora”. As jovens tinham que comprar pano nas várias lojas de tecido da cidade, para confeccionar seus modelitos. Enorme sucesso fazia a fábrica da Bangu, que tinha bonitos tecidos, em algodão da melhor qualidade. Era o pano perfeito para os modelos de Alceu. Então, os famosos “imprimes”, algodão estampado, floridos, perfeitos para as jovens.

Nessa época, nenhuma garota ia a uma festa junina sem uma roupa de chita. E os modelos vinham todos de Alceu. Como as festas eram bonitas e coloridas! Éramos orgulhosas de usar aqueles vestidos cheios de babados, fazer uma trança, ou colocar uma postiça, e dançar músicas tradicionais a noite toda. Nas festas típicas da Europa, toda a população se veste de maneira tradicional. Aqui, parecem ter vergonha. Hoje, as festas juninas são um amontoado de gente sem nenhum caráter, dançando músicas estrangeiras.

E os calendários do Alceu? Eram lindos. E apesar de ter aquele toque de ingenuidade, que ele colocava nas suas meninas, tinha uma enorme sensualidade. Sim, as garotas eram ingênuas, mas, de maneira nenhuma, assexuadas. As pernas esguias, que saíam de uma beca de formatura, o decote apenas sugerido e o olhar provocante, não deixavam dúvidas: eram sedutoras, provocadoras e, o toque de ingenuidade era apenas um charme a mais. Falando francamente, eram mais sensuais do que as modelos nuas dos atuais calendários.

Assim era Alceu. Um esplêndido desenhista, um refinado estilista e o melhor tradutor de uma juventude que reinava numa época que não volta mais, da que já foi chamada de “a era da inocência”. Não tão inocente assim, mas bem mais tranquila e segura. Mais charmosa também, em grande parte, graças a Alceu. 

*Lucia Helena Monteiro Machado é psicóloga e escritora, autora dos livros Retratos em busca de uma história e Paris para brasileiros.

“PAPAI SABE TUDO” perdeu de vista a “GAROTA DO ALCEU”

postado por Alexandre Figueiredo 

Linhaça Atômica

No começo deste ano, um sisudo economista, de seus 62 anos, se separou de uma conhecida e belíssima jornalista de televisão. Os motivos da separação não foram anunciados para preservar a privacidade do ex-casal, mas observa-se que são as tais “diferenças irreconciliáveis”, que seriam assumidas se a separação tivesse envolvido um casal dos EUA.

Nunca ficou difícil para executivos, profissionais liberais e empresários que começam a viver os 60 anos de idade viverem como os antigos “coroas” que eles conheceram e admiraram nos anos 1970. Era o estilo de vida ao mesmo tempo granfino, pedante e “comedido” dos senhores de idade que viraram seus “heróis” desde a tenra infância nos anos 1950.

Há poucos anos atrás, era a vez de um empresário e publicitário se separar de uma apresentadora de TV, por “diferenças irreconciliáveis”. E outro empresário, marido de uma atriz, só pôde manter o casamento depois de uma terapia de casal que fizesse pelo menos o homem aderir aos novos tempos.

Ficar trancado em escritórios ou consultórios fez com que uma geração de médicos, advogados, empresários, economistas e engenheiros nascidos entre 1950 e 1955 ficassem parados no tempo e vendo o mundo praticamente sob os olhos de seus pais, patrões e professores cerca de 20 anos mais velhos.

Presos a um padrão de comportamento e vestuário que os fazia “colarem” sapatos de verniz nos seus pés – só passaram a usar tênis nas caminhadas na orla sob pesados conselhos ortopédicos – e a se vestir de “industriais” ou “ministros” só para divulgar romances literários no Programa do Jô, os “granfinos” born in the 50s, sessentões de primeira viagem, mostram dificuldades de se reinventarem na vida.

Eu me lembrava de quando, por volta de 1974, eu via os noticiários da televisão, menino de três anos que eu era, e eu comentava que os homens que apareciam nas notícias vestindo terno e gravata estavam “vestidos de ministro”. Em 1978, eu já questionava esse “mundo adulto” em que homens se autoafirmavam com ternos, sapatos de verniz, cargos de comando e regras de etiqueta.

Esses granfinos trancados em escritórios e consultórios acham que só por ter um bom desempenho profissional (nada revolucionário nem idealista, diga-se de passagem), podem ao mesmo tempo terem moças bonitas mais jovens e terem uma personalidade mais antiga, que os fazia chegar aos 50 e, agora, aos 60 anos, com o desejo infantil de apressar uma bagagem mental de 70, 80 anos.

Procurando nas mocinhas uma tradução meio pós-moderna das “Garotas do Alceu”, série que mostrava a realidade de jovens moças sob desenho de Alceu Penna e outros autores (eu costumava ler, nas bibliotecas, os textos escritos por Maria Luíza Castelo Branco), os equivalentes brasileiros do Papai Sabe Tudo não acompanharam a transformação dos tempos.

Vendo com preconceito as transformações dos anos 80 fora de seus cursos de pós-graduação, de suas empresas e consultórios, como se não houvesse diferença entre Legião Urbana e Trem da Alegria ou entre Marcelo Rubens Paiva e o palhaço Bozo, eles compensaram, a partir dos anos 90, com suas esposas mais jovens, a imagem imatura causada em relações conjugais anteriores.

Eles pegaram mocinhas que viam MTV, que iam a danceterias e que hoje estão na casa dos 40, 45 anos, mas ficaram presos a um perfil de “coroa” ao mesmo tempo paternal, obsessivamente elegante, extremamente formal, não raro plagiando as personalidades dos patrões, professores e dos próprios genitores masculinos que lhes serviam de modelo para a vida.

“Mauricinhos” nos anos 70 que foram o auge do colunismo de Imbrahim Sued, depois convertidos em yuppies profissionalmente corretos, eles, já no final dos anos 1990, se impressionaram demais com seus cabelos grisalhos e entraram no século seguinte prometendo chegar aos 60 anos com uma bagagem mental de homens bem mais velhos.

E aí, ficava aquela coisa constrangedora de reviver o passado sem ter identificação natural com ele. Poucos conseguem enxergar o mundo para antes de seus berços, e os granfinos nascidos nos anos 1950 tiveram a mania de entender o mundo girado até o tempo de suas infâncias (mais ou menos 1958 ou 1959) como se eles tivessem sido adultos nessas épocas.

Aí vi, na edição recente de Caras, um médico de seus 60 e tantos anos aparecendo com traje de gala no baile do Copacabana Palace, alheio ao mundo ao lado de sua esposa 20 anos mais jovem, sem saber que o próprio baile já começa a sofrer as influências popularescas que fizeram esses sugar daddies se afastarem da revista Caras.

Independente de tais relações conjugais permanecerem ou não, o que se nota é que fica muito difícil esses médicos, empresários, advogados, economistas e engenheiros que têm 60, 65 anos, com cabelos grisalhos, experiência profissional, primeiros netos e tudo, viverem como os “coroas” de outros tempos.

Daí que, num dado momento, o Papai Sabe Tudo perde de vista a “Garota do Alceu”. Ironicamente, Robert Young, ator da série norte-americana (Father Knows Best, no original) encerrou sua carreira nos mesmos anos 80 desdenhados pelos granfinos de 60 anos.

http://linhacaatomica.blogspot.com/2015/02/papai-sabe-tudo-perdeu-de-vista-garota.html

Talento é eterno.

Por Anna Marina*

Família com muitas filhas moças só podia dar no que deu: como eram bonitas e muito vaidosas, chamavam a atenção na cidade. E, na época, pelo jeito que se vestiam, eram comparadas às Garotas de Alceu. Aquelas que, toda semana, traziam nas páginas de O Cruzeiro, a revista de maior tiragem da América Latina, todo o charme e o dengo das cariocas – muitos anos luz à frente das mocinhas do país.

Alceu Penna derrubava mitos, tabus, tradições, colocava na boca de suas garotas palavras e desejos que passavam longe do conservadorismo do país. Mesmo assim, não escandalizava, não era demonizado. Apenas copiado, e muito, por toda mocinha que queria ter o mesmo charme, as mesmas pernas longas, a mesma cintura fina daquelas imagens tão inovadoras e avant garde que a revista publicava.

O desenhista ia além de criar figurinhas: ditava moda, comportamento, vaidades. Nascido na pacata Curvelo, antecedia outra patrícia que anos mais tarde também fez história no país e no exterior. Só que Zuzu Angel tinha uma abertura diferente em relação à moda, sem muita criatividade por aqui. Criava sua própria visão do que acreditava ser o espirito do estilo brasileiro. Alceu Penna ia além: desenhando numa época em que as novidades lançadas no exterior levavam semanas para chegar aqui, aproveitava sua facilidade de receber informações antecipadas, por meio da revista, sabia antes das ávidas consumidoras para onde a moda estava indo.

Mas não ficava só nisso: assim como definia em seus desenhos as linhas criadas por Dior ou Givenchy, investia lindamente em tradições brasileiras, como as festas juninas e os bailes de carnaval. Aqui em Minas, não foram poucas as foliões que apareciam nos bailes chiques da cidade usando suas fantasias. E as festas juninas repetiam suas lindas roupas de sinhazinha.

Bom de tudo isso é que as criações de Alceu Penna eram replicadas em várias versões. Como as costureiras eram poucas, os modelos eram repetidos em máquinas de costura domésticas, por mães prendadas ou pela próprias garotas. Outro lance muito importante é que as lojas de tecido ofereciam mil opções, dos exclusivos tecidos importados aos nobres algodões nacionais. Até a Bangu entrou na dança, com os desfiles que promovida no país – e até no exterior – com modelos criados por Alceu.

Esse talento e esse bom gosto se repetiram depois nas páginas de culinária da revista, que eram editadas por sua irmã, Thereza de Paula Penna. Ele colaborava na montagem dos pratos, fazendo com que qualquer comidinha doméstica se transformasse em tentação gourmet. Outro setor, aliás, que a dupla de Curvelo investia em divulgação de um assunto que pouco aparecia nas páginas das publicações nacionais.

E o talento do estilista mineiro é tão autêntico que segue sempre atual. Os modelos que criava para suas garotas podem ser copiados hoje com o mesmo sucesso. Obra de mestre não envelhece, não faz 100 anos.

*Editora Anna Marina Siqueira, Caderno Feminino & Masculino / Jornal Estado de Minas.

MASP organiza mostra sobre desfiles-show da Rhodia nos anos 60

Campanha que celebrou os 50 anos da Rhodia no Brasil, de 1969, com vestidos estampados por artistas como Jacques Avadis, Moacyr Rocha, Fernando Martins e Manabu Mabe (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Tema de uma exposição que entra em cartaz este mês, os desfiles-show e campanhas da Rhodia nos anos 60 revelaram toda uma geração de talentos e ajudaram a moldar a identidade da mosa nacional, tendo a arte como aliada

No fim dos anos 50, quando a moda ainda engatinhava no Brasil, o publicitário italiano radicado em São Paulo Livio Rangan – figura visionária, dono de uma criatividade inesgotável e com estampa digna de galã da Cinecittà – teve a ideia de orquestrar campanhas e desfiles grandiosos que mesclassem peças assinadas por estilistas nacionais, arte e cultura pop. Por trás do ambicioso projeto estava a Rhodia, empresa francesa que, em 1919, havia instalado por aqui uma fábrica de lança-perfumes – isso mesmo, o famoso Rodouro, que animou nossos Carnavais até a proibição do spray, em 1961.

Antevendo essas mudanças, a Rhodia entrou firme e forte na produção de fibras sintéticas em 1955. Para vendê-las no País tropical, referência mundial em algodão, traçou uma mega estratégia de marketing em parceria com Rangan, que durou pouco mais de uma década, encerrando-se em 1970. “Livio foi um grande diretor de arte, de teatro, um ótimo metteur en scène. Seu trabalho na Rhodia era um pretexto para mostrar o que realmente sabia fazer: arte no palco, em filmes, na fotografia”, avalia a ex-modelo e jornalista Zizi Carderari, casada com o publicitário de 1974 até 1984, quando elemorreu precocemente, aos 51 anos.

Jan, Ully, Felicia, Mailu e Marisa com vestidos de Licínio de Almeida apresentados no desfile-show Momento 68 na 11ª edição da Fenit, em 1968 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

O italiano passou a dirigir a publicidade da Rhodia e a idealizar editoriais para revistas ligadas à indústria têxtil, tendo como alvo os clientes dos fios da empresa. Numa era pré-semanas de moda, as peças eram lançadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil, a Fenit, em desfiles-show que exibiam criações dos estilistas mais incensados da época, pioneiros da alta-costura made in Brazil, como Dener, Ugo Castellana, José Ronaldo, Guilherme Guimarães e Jorge Farré. As coleções eram desenvolvidas utilizando as matérias-primas mais modernas da Rhodia sob a coordenação do ilustrador mineiro Alceu Penna, autor do icônico figurino de Carmen Miranda e da série de crônicas de moda “Garotas do Alceu”, publicada na lendária revista O Cruzeiro e que influenciava os costumes das brasileiras de então.

Para acentuar o cunho cultural (e inédito) da empreitada, Livio – um workaholic que sonhava alto e dormia pouco – decidiu convidar artistas plásticos para desenhar as estampas das cem peças únicas apresentadas a cada coleção. A lista de colaboradores é extensa e ilustre: Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Milton Dacosta, Nelson Leirner, Ivan Serpa, Manabu Mabe, Alfredo Volpi, Willys de Castro. Parte das criações assinadas pelo grupo se perdeu ao longo do tempo (caso de peças de Ohtake, Iberê e Dacosta), mas 79 modelos com estampas de 28 artistas foram doados em1972 para o Museu de Arte de São Paulo, formando um conjunto batizado de Coleção Masp Rhodia. A boa notícia é que, a partir do dia 23 deste mês, todos os itens serão exibidos por lá na mostra Arte na Moda – a última vez que esse acervo esteve em sua íntegra às vistas do público no museu foi há 43 anos, na época de sua doação.

 Mailú, Mila e Lilian com peças criadas por Alceu Penna para o desfile-show Rio 400 anos, em 1964 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Em clima de Tropicália meets Carnaby Street, os desfiles da Rhodia uniam moda e arte,mas não só isso: havia também música, dança e poesia. O ator Raul Cortez
fazia as vezes de mestre de cerimônia, e o roteiro costumava ter assinaturas ilustres – nascia do humor de Millôr Fernandes ou da sensibilidade de Carlos Drummond de Andrade. Coreografias do americano Lennie Dale (que pouco depois, nos anos 70, fundaria o lendário grupo de dança andrógino Dzi Croquettes) eram embaladas por performances ao vivo de nomes em ascensão namúsica, como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou Rita Lee – linda à frente de sua banda naqueles tempos, Os Mutantes. Em meio às apresentações musicais, aconteciam os desfiles propriamente ditos, cujos castings eram atração à parte.

http://vogue.globo.com/moda/moda-news/noticia/2015/10/masp-organiza-mostra-sobre-desfiles-show-da-rhodia-nos-anos-60.html

Alceu Penna, estilista que vestiu Carmem Miranda, completa cem anos

GONÇALO JUNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se contar, ninguém acredita. Pode parecer exagero, mas, talvez, as trajetórias de Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Millôr Fernandes fossem diferentes se seus caminhos não tivessem cruzado com o do mineiro Alceu Penna. Cartunista e pioneiro da moda no Brasil, Alceu faria hoje 100 anos de idade –para a família, a data correta é 1º de janeiro. Sua história, pouco conhecida, lembra um daqueles personagens do cinema que foram testemunhas dos mais importantes eventos de seu tempo. A diferença é que ele estava lá mesmo. De verdade.

Nascido em Curvelo (MG), Alceu se mudou para o Rio de Janeiro em 1932, aos 17, e no mesmo ano, começou a fazer capas para a revista “O Cruzeiro”. Entre 1938 a 1964, Alceu Penna teve um papel importante nos costumes das mulheres brasileiras, com sua coluna “As Garotas”, publicada toda semana na revista.

 

 

Desenhos de Alceu Penna

Um anúncio de 1938, publicado nos jornais da rede Diários Associados (que editava também a revista), falava da novidade e de seu estilo: “As garotas são a expressão da vida moderna. Endiabradas e inquietas, elas serão apresentadas todas as semanas em ‘O Cruzeiro’ por Alceu Penna”.

A cada edição, ele trazia algum tema que ocupava de duas a quatro páginas da revista. Desde assuntos políticos a cinematográficos, esportivos etc. Quem seguia a moda, copiava as roupas –cuidadosamente feitas com as cores e tendências do momento– e as atitudes de “As Garotas”. O artista fazia ainda sugestões para penteados.

As cenas eram completadas com frases: “Nada existe de mais prático para verão do que os shorts, uma genial invenção ‘yankee’ que parece ser destinada exclusivamente ao nosso clima. Aqui vemos nada menos do que sete modelos encantadores. Alguns deles servem também para entrar n’água…”.

CARMEM MIRANDA

Antes desse sucesso todo, Alceu–um amante das histórias em quadrinhos– deu um jeito de colaborar com “O Globo Juvenil”. Era um tabloide que circulava três vezes por semana e fora criado por Roberto Marinho, em junho de 1937. Ali, propôs a um assistente do editor que adaptassem juntos clássicos da literatura para o suplemento.

O nome do assistente era Nelson Rodrigues, que teve, assim, uma de suas primeiras experiências de criação, antes de se tornar cronista, ficcionista e dramaturgo dos melhores.

A parceria rendeu bons frutos. Eles levaram para a linguagem dos gibis, entre outros, “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, e “O Mágico de Oz”, que acabara de virar longa-metragem de sucesso.

Na virada dos anos 1930 para os 1940, Alceu viveu dois anos nos EUA, quase ao mesmo tempo em que sua amiga Carmen Miranda. Pretendia ser ilustrador e cartunista da revista “Esquire”, e conseguiu. Por mais de um ano, o brasileiro colaborou com cartuns na publicação.

Ele havia conhecido Carmen nos bastidores do Cassino da Urca. Algumas semanas antes de embarcar para a América, em 1939, Carmen deu uma entrevista a “O Cruzeiro” em sua casa, no Rio.

Quando o papo acabou, o desenhista fez uma série de sugestões para renovar o guarda-roupa da cantora. Adicionaria, segundo disse depois, “saias multicolores, os turbantes fantásticos e os sapatões de sola grossa”.

Em 1941, Alceu caiu de paraquedas em outro fato histórico importante: a vinda do produtor e animador Walt Disney ao Brasil, como parte da política de boa vizinhança dos EUA na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial.

 

A legenda da foto de Alceu conversando com Disney antes da seção do filme “Fantasia”, publicada em “O Cruzeiro”, informava que ele fora encarregado pelo Itamarati de ser o tradutor de Disney nos dias em que ele passou no Rio de Janeiro.

MOCASSIM

Não fosse Alceu, quem sabe Millôr Fernandes teria se aposentado em outra profissão? Em 1937, Millôr tinha 13 anos e, por indicação de um tio, foi trabalhar em “O Cruzeiro” como ajudante gráfico.

Como havia muito trabalho –”O Cruzeiro” e os quadrinhos de “O Globo Juvenil” “”, Alceu chamou Millôr para que ele o ajudasse no acabamento das histórias em quadrinhos e da coluna “As Garotas”. Ao mesmo tempo, teria a oportunidade de aprender a desenhar, com dicas de esboço e arte-final.

“Passava algumas horas por dia, duas ou três vezes por semana, preenchendo o fundo dos seus desenhos”, lembrou Millôr, anos mais tarde. “Não foi muito tempo, mas foi tempo de encanto e medo. Você não imagina o pavor que eu tinha de errar tudo, inapelavelmente.”

Nesse convívio, Millôr viu nos pés de Alceu, pela primeira vez nada vida, um calçado elegante e revolucionário chamado mocassim. Millôr se lembraria do amigo “com uma educação (modos e maneiras) absolutamente esmerada e temperamento invejável. Uma qualidade nunca a desprezar: um homem belíssimo”. Para ele, a tônica de Alceu, no trabalho e na pessoa, estava na delicadeza.

ESTILISTA

Com dificuldades para importar material jornalístico da França durante a guerra, o editor de “O Cruzeiro” pediu que Alceu criasse modelos para as leitoras. Como estilista, assinou figurinos de famosas montagens do Cassino da Urca, do Rio, e do luxuoso Hotel e Cassino Quitandinha, de Petrópolis.

A partir de 1946, passaria seis meses por ano em Paris, de onde mandava as últimas tendências da moda. Alceu se tornou absoluto como referência na década de 1950, quando virou a principal atração da revista feminina “A Cigarra”. Noivas de todo Brasil, ricas e pobres, pediam-lhe desenhos de vestidos.

Ele atendia a todas. E jamais cobrou um centavo pelos modelos. Bastava-lhe a alegria de ver uma jovem subir ao altar com uma criação sua.

Seus figurinos, por anos, estamparam as capas da revista “Tricô e Crochet”, da fabricante de fios Moinho Santista.

Lojas de tecidos ofereciam a seus clientes folhinhas de calendário com as pin-ups de Alceu, cada vez mais ousadas e sensuais. Natural, portanto, que vestisse Martha Rocha no Concurso Miss Universo, em 1954. Está tudo registrado nas páginas de “O Cruzeiro”.

Seu reinado se estendeu pelos anos de 1960 devido a outro feito notável: eram dele figurinos dos monumentais eventos de moda e musicais da Rhodia ao longo de toda a década. Os desfiles percorreram passarelas da Europa (Roma, Paris), Ásia (Hong Kong e Beirute), EUA (Nova York) e depois quase todas as capitais brasileiras, sempre em espetáculos beneficentes.

Os espetáculos traziam shows de revelações que surgiam na época, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes. Na música também, como se vê, Alceu deu certo empurrãozinho na história cultural brasileira.